Um dia, um olhar…

O que conduz o olhar na percepção de um artista como Décio Soncini é uma incógnita, como todo processo de criação.

Percepção como algo fugaz, um relâmpago que também reside na memória, naquele desvão da consciência como impulso aferente da sensibilidade, e eferente no impulso motor que conduz o traço.

Rudolph Arnheim em sua obra sobre percepção visual e arte aponta as “forças” na Gestalt não como meras figuras da retórica, porém como impulsos reais, dentre elas a forma como configuração visual do conteúdo, nas palavras do artista realista norte-americano Ben Shan: o desenho é a forma que melhor revela o autor. Por isso o desenho é comunicação direta seja no grafite, seja na goiva do gravador, ele retém a energia do impulso ou a contenção do gesto não como indecisão mas como opção, um respiro no traço, imprime fluxo no movimento ou tensão interna na estaticidade.

Vejo Décio essencialmente como um desenhista, ele pode agregar cor, luz e sombra às suas criações e o faz na medida certa em sua pintura, contudo o traçado básico permanece oculto como obra adrede planejada no embate diário entre ele e o mundo, a estrutura está ali como o filósofo Gilles Deleuze disse, é uma geratriz no código da imanência, pertencendo à essência de seu pensamento.

Assim sendo, se nos debruçarmos sobre suas obras veremos que os detalhes são elementos centrais na composição, atuam com âncoras. Podem ser a construção geométrica nos galhos de uma árvore, o galpão entrevisto na janela, o tecido largado na máquina de costura, o emaranhado no bambuzal, as desconstruções lembrando Escher e Piranesi, a faixa de pedestres rumo à casa.

Se por um lado o detalhe implica realismo existe aí uma contradição íntima – o artista é um romântico ao contar sempre uma história pessoal, porém o faz com maestria ao nos ocultar, nosso olhar desliza sobre os detalhes embora estejam recortados em suas formas, a narrativa falando mais alto aos observadores, ah! Isso me faz lembrar…desse modo se sucedem no leque de temas a máquina de costura familiar, o bambuzal no terreno ao lado, o atelier, as demolições tão comuns na Pauliceia desvairada, o bosque do Museu do Ipiranga, a rua do bairro, o sapateiro e outras tantas.

Ocorre então uma distinção essencial, nós buscamos identificar os objetos sem nos preocuparmos com o fundo, enquanto ele se afasta da tradição clássica e achata os planos numa configuração contínua de um jogo de alternância de formas separadas em seus detalhes particulares, como um grande quebra-cabeça entre a realidade e a memória, bastante explícito na obra “Aqui não é lá”.

E um dia bem cedo, como de hábito o artista vai fazer sua caminhada, sai de casa e na volta no lusco fusco com a casa ainda nas sombras seu olhar se detém sobre o jovem pé de Ipê florido durante a noite, manchas amarelas de curta duração como tudo na vida, e da solidão dos seres e da natureza em seu relacionamento com os homens, quantos parariam um instante para admirar tanta beleza. Naquele mesmo dia no atelier pinta “Impressões em preto e branco revisitado pelas cores”.

— Senhores, as fichas estão na mesa, o jogo está feito.

Nada melhor que Maurice Merleau Ponty para compreender essa relação íntima entre o visível e o invisível como afirma em “O olho e o espírito”: A filosofia por fazer é a que anima o pintor, não quando exprime opiniões sobre o mundo, mas no instante em que sua visão se faz gesto, quando dirá Cézanne, ele pensa por meio da pintura”.

Walter de Queiroz Guerreiro, Prof.M.A.
Crítico de Arte (ABCA-AICA)

   

Indique este site



Décio Soncini



Currículo artístico



Antonio Zago - Revista "Isto É" - abr./1982 



Alberto Beutemüller - Revista Visão/abr. de 1982 



Enock Sacramento - Exposição - 1985 / Apresentação



Olívio Tavares de Araújo - Exposição - 1988 / apresentação



Radah Abramo - Revista "Isto É" - março/1989 



Walter de Queiroz Guerreiro - Exposição - 1993 / Apresentação



Artigo publicado no jornal "A Noticia" em outubro de 2003



Walter Queiroz Guerreiro - Inédito - Maio/2008 



Raul Forbes - Apresentação da exposição "Paisagens" - setembro/2011 



Lúcia Chaves - "Os infinitos cantos do ateliê" - maio/2014 



Walter de Queiroz Guerreiro - "Passagens" - agosto/2014 



Enock Sacramento - 4.2 Gonzalez e Soncini - 2019



Walter de Queiroz Guerreiro - Luz e sombras - 2021


 
Menu Textos

| decio@soncini.com.br |

   2002-2024 ©.